quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O infortúnio da descrição

 O que importa não é exatamente o que é, e sim o que achamos que é. Fora um tempo de dificuldades, a garota foi morar sozinha pela primeira vez, e como resultado de sua rebeldia e uma pitada do querer provar algo escolheu o lugar mais longe possível, podia haver outros agravantes também, mas que importa quando se tem a rebeldia e a provação? Nada. Tudo. Nada, porque assim pensava que era, nada mais importava à ninguém, nem mesmo seu bem estar, foda-se, quem se importa? Ninguém. Com o que? Nada. Com quem? Ninguém.
 Havia o pai da criança, um cara um tento quanto carrancudo, para a vida, para as pessoas, assim só, só assim. Tão. Nunca estivera em seus planos uma filha, mas aconteceu, seja como for, de quem foi a culpa, aconteceu. Não consigo decidir, e duvido muito que os protagonistas dessa história consigam, se o certo seria abortar - considerando que nenhum dos dois queriam - ou se à partir da decisão tomada, pela parte da mãe, de ter a filha absteve o pai de criar a filha, já que por ele o aborto seria feito. Não sabemos, aliás, quem sabe mente, falaceia. Voltemos ao pai... carrancudo eu já disse, essa carranca não era por si só, carranca, era da forma como o mundo era visto pelo pai: "Não vou me adequar, imagine só, trabalhar uma vida toda para continuar a sustentar esse sistema. Viverei bem e trabalharei o suficiente para me manter, não preciso de mais". Daí se tira uma boa parte do que foram os problemas entre o pai e a mãe.
 De início houve a rejeição da filha pelo pai, questão de no máximo um ano, dois, três no máximo, não tenho certeza clara. Um pai que não esteve presente, nem emocional nem dinheiramente. Que barra não? Uma mãe de dezoito anos, já com seus problemas de uma infância conturbada - que ironia, fora esta também rejeitada pela mãe, maltratada pelo pai... Queria ela o mesmo para filha? Deixemos para o fim do texto. - e agora com uma filha à tiracolo e sem a ajuda de ninguém. Que inferno de filha, tornou sua vida um inferno - ela só esqueceu-se de constatar que apenas ter esse pensamento, mesmo que inconscientemente tornou a vida da filha um inferno ainda pior, afinal, ela não havia pedido para nascer, afinal, ela não entendia "como a vida funcionava", não sabia porque das surras quando sua mãe chegava do trabalho, achava mesmo que quebrar um copo era motivo de calças abaixadas e cintada na bunda e sem poder chorar para não apanhar mais. -.
 O pai novamente, acabou a relutância em aproximar-se e enfim quando se deu tornou-se o melhor pai do mundo. Aham, o melhor, de acordo com a filha, mas não se esqueçam, era um pai carrancudo, não ia se adequar, não ia se ajustar e estabilizar num emprego e viver infeliz o resto da vida. "Amor não enche barriga", a mãe dizia. Não enche mesmo, mas tampa os buracos do peito e da mente deixados por uma infância largada, uma infância regada de boa comida e roupas quentes para o inverno, mas também repleta de surras sem explicações nem prévias nem tardias, repleta de perguntas respondidas com patadas repetidas que pareciam até ensaiadas. Um pouco de amor não faria mal, certo?
 Entendamos, a descrição se faz pela memória retorcida, digo e repito, não importa o que é, mas sim o que achamos que é. Nesse caso o que ficou foi o sentimento, que dói, rasga e desencadeia lágrimas por horas à fio, não importa o que foi, importa o que ficou, os buracos ainda estão aqui, o pai tampou a maioria e da parte dele quase nenhum está aberto, mas os do passado não se podem mais serem fechados, descobri afinal que uma vez abertos as portas se perdem, as chaves inexistem. Não deixe buracos na sua filha, ela não pediu para nascer.
 Uma garota mimada, uma descrição distorcida, um grito pela educação, um grito pelas decisões melhor tomadas, uma lástima que a vida se tornou e eu vejo repetir-se bem ao meu lado.

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