domingo, 15 de abril de 2012

O Fim

 Acordou e sentiu-se estranha. Não estou em minha cama, pensou. Estava largada num canto de qualquer lugar, parecido com tudo, menos com sua casa. Ao tentar se mover sentiu fortes dores no corpo acompanhada da percepção de suas roupas rasgadas. Esquecendo-se da dor olhou em volta e viu que não conseguia ver nada, havia apenas a luz do luar, iluminando o que parecia, uma casa cheia de fuligens, completamente devastada pela fúria do fogo. Quando tentou gritar por socorro sua voz não saiu como esperava, saiu algo parecido com o miado de um gato rouco. Tentou-se levantar, conseguiu, foi seguindo apoiando-se nas paredes.
 - Ei, o que está fazendo aqui? - Apareceu um homem à lhe perguntar.
 Com esforço ela sussurrou uma pergunta. - Quem é você?. -
 - Eu sou a Segredo Revelado. E você só deveria seguir nesse rumo depois de estar preparada. - Respondeu sem muita paciência.
 A garota caiu e tentou lembrar-se de suas últimas horas antes de acordar naquele lugar horrível. Haviam mortes, haviam gritos de angústia e medo nunca ouvidos, nunca atendidos. Havia um tapa na cara, umas palavras mal pensadas antes de proferidas e algumas traições. Já exausta e petrificada pelo medo, resolveu ficar por ali mesmo, pelo menos por um tempo. 
 - Você não pode ficar aqui, se quiser descansar volte de onde veio. - Cutucou-lhe um homem, batendo sua bota nas costelas da menina.
 A garota, um pouco melhor, conseguiu absorver as informações que lhes eram dadas. Um segundo depois olhou ao redor, com medo de encontrar o primeiro homem que encontrara na casa, relaxou-se ao constatar que ele não estava mais ali. Havia outro, o que logo lhe fez ficar tensa novamente, olhou em seus olhos e perguntou com a voz trêmula. - Qua... qual seu nome? -
 - Eu sou o Amigo Traidor. - Olhou-a no fundo dos olhos, sabendo dentro de si que ela sabia, e sentia, todo o significado do que ele era. 
 Tentando desviar o olhar indagou novamente, tentando controlar melhor a voz. - Eu perguntei o seu nome, não o que você é. - 
 - Garota insolente e burra você. Neste mundo, nosso nome é o que somos. De forma alguma o contrário. - Saiu andando, e, já um pouco longe falou alto, - Acho bom apressar-se, não sei quanto tempo ainda tem. - 
 Mais uma luta para levantar-se e manter-se em pé a garota prosseguiu. Num dos vários corredores encontrou uma criança chorando com a cabeça entre os joelhos. Aproximou-se lentamente, e por fim ajoelhou-se ao lado do menino. - O que um garotinho faz num lugar como esse? -. O garoto, com olhos enfurecidos, à olhou e rapidamente, fazendo sumir toda a inocência, - Eu sou esse lugar, todos que encontrar aqui são esse lugar. Você, mais do que ninguém, deveria saber disso. - A garota, já não tão assustada, talvez por estar compreendendo tudo, ou quase tudo, perguntou. - E além disso, o que você é? - O garoto sem tirar os olhos dela, segurou-a pelo rosto, com as duas mãos em suas bochechas e disse num sussurro. - Eu sou o Sonho Não Realizado. E você, é uma garota incompetente. - A garota levantou-se e seguiu andando, desta vez, com mais medo do que no início, já que se seguisse na ordem, o que viria agora, seria a causa do fim. 
 Depois de muitas horas andando sem parar, passando por lugares horríveis, com cheiros horríveis, chegou no que parecia ser o fim da casa. Havia uma porta no fim do corredor. Parecia ser a única iluminada. Haviam gritos, gritos de histeria, e os gritos tinham sua voz. Sentiu que suas lágrimas agora caíam de seus olhos sem que ela pudesse controlar. Seguiu andando, com os joelhos dobrando sem controle à cada segundo. E ao chegar na maçaneta suas mãos tremiam, sua força sumiu, o suor pingava. Sem sucesso, alguém de dentro parece ter aberto a porta. Ao entrar, viu a si mesma em flagelos, cada uma de si estava mais acabada que a outra. Eram arranhões e mordidas pelo corpo, tufos de cabelos sendo arrancados, roupas totalmente rasgadas, banhos por tomar. No centro de toda essa histeria, havia um homem, ela o reconheceu e logo começou a chorar descontroladamente. O homem estendeu-lhe a mão e pediu para que ela não tivesse medo. Como não ter? Ela aproximou-se e sem esperar a pergunta, o homem respondeu-lhe. - Eu sou a Morte do Seu Pai. - Ela, misturando-se às outras, começou a gritar e rasgar-se inteira. Abraçou o homem no centro da sala. E, sem aviso prévio, tudo ao seu redor parece ter explodido, apenas os dois ficaram intactos. Alguns segundos depois, e nada mais existia. Nem ele, nem ela. Nem o medo nem a coragem. Apenas o torpor.

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